Ao Largo de Delos

Ramiro S. Osório

São só 40 poemas num livro que só mede 11x15cm.

Mas este livro são dois livros, dois textos que se entrecruzam e onde cabem duas Grécias e muito mais.

A eternidade não se mede aos palmos.

 

Excerto

na escola
quiseram ensinar-me
a ser infeliz

não quis

quando for grande quero ser eu
quero ser grego

um eu que rejeita ser adoptado

um eu que adopta ítaca

quando for grande quero ser o mar
quero ser os olhos marejados
de ulisses

Nota de leitura

Publicado em Janeiro, o caderninho agrafado fica perto das 50 páginas, e lê-se como quem leva à boca uma máscara de oxigénio e chupa golpes de ar com um alto débito desse elemento vital. Bastante breves, os poemas surgem emparceirados, com os que se dão a ler à esquerda, e em itálico, traficando arrebatamentos bruscos e reparos ternos com raiz na “noite grega”, trazendo lembranças da zona dos mitos, traçando uma simetria ardente com a sua própria biografia, e os que se nos dão à direita jogam mais pela confidência melancólica, alusões intimistas, questões delicadas, mas também o tipo de achados líricos que soam como ardorosos pontos finais ou, até, orações fúnebres. Em tão poucas páginas, com recursos aparentemente tão escassos, há, na verdade, de tudo.

(…)

O livro é uma beleza, um assombro, uma coisa fácil de perder. Do que antes já nos dera a conhecer, persiste aqui “a fluência da descontinuidade” que Jorge Listopad detectou já no primeiro livro de Osório (Superstrass, editado na Moraes, em 1976). Mas acabou-se a relação deformadora, grotesca por gosto, entre sujeito-objecto, e a “histeria tranquila”, os bamboleios lúdicos dão agora lugar a esse compromisso final de um homem consigo mesmo, com a sua virtude mais despretensiosa, e que nos soa como se tivesse “sotaque divino”. Diz-nos Osório que a única poesia que frequenta é essa, a que tem sotaque divino. Diz-nos também que “a verdade tem um cheiro / que não engana”, e que é isso o que distingue a poesia de outras formas ornamentadas de mentir. “[S]ou íntimo dos deuses”, diz-nos ainda. E, por uma vez, das tantas que já o ouvimos, não nos soa a gabarolice, a um dito que padece de mera afectação “poética”.

 

Diogo Vaz Pinto, jornal i, 19 de Fevereiro de 2018.

Ficha Técnica

ISBN: 978-989-8828-41-5

Dimensões: 11×15cm

Nº páginas: 48

Ano: 2018 | Janeiro

Nº Edição: 124

Colecção: azulcobalto # 048

Género: Poesia

PVP: 10 €

Autor