Almas Cativas e Poemas Dispersos
Roberto de Mesquita
Prólogo e Organização de Carlos Bessa
O título, Almas Cativas, pedira-o emprestado a Antero de Quental, num sinal claro de afinidade electiva. Em 1931 cumpria-se tardiamente o desígnio desse labor quase secreto e o livro vinha, por fim, a público. Um dos exemplares chega às mãos de Vitorino Nemésio, que encontra no «opúsculo de capa cor-de-rosa, em papel amarelento e tipo gasto, sem sedução nenhuma», que compara a «um Relatório de Contas», uma escrita que se lhe afigura «a melhor imagem da dispersão e sonolência da vida nos Açores», com o seu «perfil difuso e abúlico da açorianidade». Nemésio já lera muito e estava, portanto, apto a ver em Mesquita o primeiro poeta a exprimir «alguma coisa de essencial na condição humana tal como ela se apresenta nas ilhas dos Açores», reconhecendo-lhe ainda «um lugar importante no simbolismo português, ao lado dos seus príncipes, que não devem ficar envergonhados por não ser companhia retumbante (António Nobre, Camilo Pessanha, Eugénio de Castro)»
[Carlos Bessa]
Excerto
SPLEEN
Dezembro, dia pluvioso. Vem
Deste céu de burel um spleen mortal
Onde as almas se atolam como alguém
Que caísse num vasto lodaçal.
Olho em torno de mim: as cousas mesmas
Têm um ar de desgosto sem remédio…
E as horas vão, morosas como lesmas,
Rastejando por sobre o nosso tédio.
O véu cinzento e denso que se espalha
Lá por fora, empanando as perspectivas,
Dir-se-á também que as almas amortalha
E afoga a suas vibrações mais vivas.
Como é triste viver! Quem descobrisse
Um outro mundo, uma mansão ignota
Onde o novo, o imprevisto sacudisse
O marasmo desta alma velha e bota!
Fumo e passeio, a chuva cai, ninguém
Passa na rua; e ao choro do beiral
Sucedem uivos do nordeste. Vem
Desta plúmbea manhã um spleen mortal…
Nota de leitura