Alarido
Manuel Fernando Gonçalves
Neste livro de Manuel Fernando Gonçalves (Bragança, 1951) o poema arma-se «contra / um inimigo disforme, esse que não sabe / falar e o outro que desconhece haver / sílabas a trepidar. Twiter o caraças!» Neste livro de poemas («não faltam para aí versemakers»), há um «corpo a abandonar / o palco pela esquerda baixa, a sair / de cena. Verso louco, alarido.» O poema fica «exposto, / na sua fala magoada». E o poeta «rumina palavrões.» A morte, essa, «afinal, / bem vestida, adequada às estações do ano.»
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Excerto
DA SUA NATUREZA
E se não te calas, ó besta de púlpito,
tiro, de outros ramos do poema,
um gesto mágico que leve o elefante
míope na tua direcção e dê o empurrão
suficiente para que a tua fala se altere,
mudes a caixa dos pensamentos
e nem dês por isso. Lá vai o animal
forte, imponente na sua visão
progressiva! Dizes adeus,
alterado como estás, de cabelos hirsutos,
convicções remexidas, fascista com outro
nome, cidadão alterado, autoritário
e nem por isso musculado, como agora
andam essas bestas rapadas, tatuadas,
ignorantes, de ideias esmagadas nos ginásios,
pagos com quê? Bem se vê no espelho,
no reverso, em todo o lado o outro lado,
os da gravata, os da palavra excessiva. Fui
à porta da tenda fazer gestos aos animais,
deixei instruções claras: só alguma poesia
tem a solução.
Nota de leitura