À Sombra das Vozes
José Viale Moutinho
Este tríptico corresponde ao resultado de umas experiências de poesia em texto corrido (poesia em prosa?). Se tivesse de avançar com nomes que foram estimulantes neste processo que, para mim, enquanto criador, é uma estreia, era capaz de alinhar gente tão diversa como Picasso, Butor, Guillevic, Le Quintrec, Cernuda, Eugénio de Andrade. Ou os sul-americanos (Lezama Lima, Carpentier, Rulfo) e uma mão-cheia de espanhóis com destaque para o meu amigo Antonio Martinez Sarrión, que se foi embora deste mundo há um par de anos.
Este livro poderá ser uma viragem parcial da minha escrita poética, três propostas que tomarão caminhos que me encantavam, mas que eu não tinha calcado. Vejamos aonde isto me leva.
José Viale Moutinho
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Excerto
I
A que se prende à voz, ou se projecta das
vozes, à escrita é o elemento básico da comunicação,
a memória que sustenta o homem que
caminha em torno de um castelo de areia negra,
há uma estrada de gelo, uns sapatos de verniz
e umas luvas de pelica, um salão para festejos
com flores, vinhos, máscaras e fogos de artifício
(fogos fátuos?), alguém que se aproxima com
uma taça de funesta ambrosia, os olhos queimados
das leituras e os pés ardendo no empedrado
mal assente na crosta terrestre,
quem apaga as luzes, sempre essas vozes,
quem guarda discretamente o livro do deve e do
dizer na gaveta da memória, no triste olhar que
nos esconde da história? talvez aquela rapariga
embrulhada em sedas e com um punhal atravessado
nos dentes (charlotte corday?)«,
os olhos como os de uma maldita cobra carregada
de veneno,
serás salomé ou joão baptista? escondes as
mãos sob os braços e não páras de sorrir, alarve
inquieto, vês como a vela arde enquanto os velhos
acertam pormenores acerca do passado, em
que trocaram golpes de sabre e raios de um sol
que não se pode ocultar?
Nota de leitura