A cabeça muda

Cláudia Lucas Chéu

Desde sempre que o tema da violência interessa a Cláudia Lucas Chéu, sobretudo a que ocorre no seio familiar. A família como um modelo em microescala do funcionamento da sociedade, o paradigma pelo qual se regem também as grandes guerras.

Disponível para Livrarias e para Venda directa. Pedidos para: companhiadasilhas.lda@gmail.com

Excerto

15. Metamorfose

Paula deitada na cama. Thaiane para o público.

Thaiane
Optei por falar a partir desse lugar.
Mesmo o que é real parece ficção, por isso, dentro desse espaço, podemos fazer basicamente o que nos apetecer. É o chamado território sem leis.
É também aqui que damos às pessoas aquilo que muitas vezes mais querem ver: Vi-o-lên-ci-a.
Não tem de haver um motivo. Muitas vezes, na vossa sala de jantar, vos oferecem um tipo degolado. Enquanto comem a sopa, têm ali um tipo que se esvai em sangue, em directo. Isto para não falar do boneco crucificado por cima da vossa mesinha de cabeceira, deve ser um dos maiores produtos de merchandising da sociedade ocidental. Mas já repararam que ninguém vos perguntou o que pensam sobre isto?
Violência é transformação, mesmo que se sintam passivos enquanto estão sentados na plateia escura. É claro que parece invisível, mas está a mexer com vocês, acreditem. É a transformação que não controlam, e não estou a falar do divino ou algo assim.
Existe um impulso destrutivo dentro de cada um de nós, quer gostemos ou não. E este impulso só pode ser legitimado pelos nossos medos.
Goethe disse uma vez: «Não há crime que eu não tenha cometido em pensamento.»
É muito ingénuo falar de crimes cometidos por outros.
Vocês não sabem como seria, simplesmente não viveram aquela situação. Acredito que, sob certas circunstâncias, podemos agir de uma forma que antes diríamos impossível.
Só quando somos confrontados com o limite é que temos noção da nossa humanidade.
A ficção tenta mostrar esse limite. A pergunta é se deve haver limites para a representação da violência.

(Pausa. A mesma música de Mahler.)

Aquele sonho que eu tinha em criança, alguém tentava entrar à força. Alguém que me queria fazer mal tentava entrar à força no meu quarto.
Um dia, durante esse sonho, eu decidi abrir a porta.
Adivinhem quem é que eu vi. A minha mãe. (Pausa.)
A mãe esticou ao máximo os meus limites.
A mãe achava que era Deus.
Mas Deus, se Ele existir, é só um.

Nota de leitura

Ficha Técnica

ISBN: 978-989-9154-23-0

Dimensões: 14x22cm

Nº páginas: 52

Ano: 2024 | Janeiro

Edição: # 309

Género: Teatro

Colecção: azulcobalto | teatro # 051

PVP: 15 €

Autor