O que acontece quando não se passa nada no Teatro Art’Imagem

Manuel Jorge Marmelo

Este livro é um exercício de memória — uma alembrança. Procura resgatar recordações que, em alguns casos, remontam há três décadas e que, pelas péssimas razões impostas pela natural degenerescência dos tecidos cerebrais, são agora vagas sombras que miseravelmente se agitam nas regiões profundas, quase líquidas, do córtex e do hipocampo. (…) A memória, seja como for, é uma arte imperfeita. (…) Fiz o que pude, mas fiquei com a nítida impressão de que não sou ainda suficientemente velho para recompor as histórias mais antigas, lembrando-me muito melhor daquelas que sucederam há menos anos.
O texto que a seguir se apresenta resulta, pois, de um desafio que me foi lançado pelo José Leitão, dinossauro excelentíssimo do teatro do Porto, que tem sido a força motriz do Art’Imagem e o seu cimento. Destina-se a integrar o programa comemorativo do quadragésimo aniversário da trupe e constitui o relato possível do meu convívio — pessoal e artístico — com as pessoas que construíram a história da indómita trupe do Porto e da modestíssima participação que me coube nesse enredo, ao qual se seguem os textos das duas peças que, com quase duas décadas de intervalo, escrevi para a companhia. (…)

[ Manuel Jorge Marmelo ]

Excerto

Dentro de uma jaula de rede, um cubo com metro e meio de lado, está um homem ajoelhado e com as mãos presas atrás das costas, cabeça baixa, vestindo um traje de bobo. Num canto da jaula, há um balde destinado às necessidades fisiológicas do prisioneiro. A jaula é iluminada por três focos de luz que para ela convergem e o cenário é ainda varrido pela luz de um foco em movimento, o qual, a espaços, revela a presença de barreiras de arame farpado.

SOLDADO
(aproximando-se)
Não me digas? Rendeste-te às evidências e também começaste a rezar?

PRISIONEIRO
(erguendo a cabeça e sorrindo de modo sarcástico)
Claro que não, nosso cabo. Estava a tentar descansar qualquer coisa. Como o nosso cabo se esqueceu de me tirar as algemas ontem, tive alguma dificuldade para dormir, apesar da excelência dos aposentos postos à minha disposição. Esta porcaria magoa um bocado. Mas tenho a certeza de que a sua distracção foi uma coisa sem maldade nenhuma.

SOLDADO
E pelos vistos ainda continuas a achar que tens graça?
É muito interessante…

PRISIONEIRO
Acha? Eu, na verdade, não vejo grande vantagem nisso. Podia dizer a verdade, que estava a pensar, mas temo que isso possa prejudicar-me ainda mais aos olhos do nosso comandante.

Nota de leitura

Ficha Técnica

ISBN:978-989-9007-71-0

Colecção: azulcobalto | teatro #040

Dimensões: 14×22cm

Nº páginas: 192

Ano: 2022 | Abril

Nº Edição: 259

Género: Teatro

PVP: 17 €

Autor