No prelo

A sucessão de actos em Aterro sugere uma aproximação da literatura ao teatro sombrio e desolador da era contemporânea. No encalço de obras anteriores como Ranço, Jorge Aguiar Oliveira traça uma geografia da decadência e da putrefacção, alicerçada na construção de cenários poéticos poliédricos, escatológicos, apocalípticos, povoada mais pela máquina humanizada do que pela acção humana, esta cada vez mais mecanizada, entorpecida e alienada, agrilhoada a uma nova ética da vigilância, disfarçada de conexão e leveza, dentro da qual tudo o que se movimenta “deve ser domesticado-amestrado logo de início”. O negrume ácido destes poemas, assomado por imagens densas e hostis, ritmos sulfúricos, disrupções sintácticas e morfológicas, colocam-nos perante uma voz irreverente e inquieta, que não só não receia nenhum confronto com o desconforto em que nos coloca, como, aliás, parece disposta a assombrar-nos com as suas visões de um mundo em decomposição, feito de despojos poluídos com a promessa de um progresso triunfal.
Nas Livrarias: segunda semana de Junho de 2022.

O mesmo narrador que se propõe guiar a audiência avisa-a que tomou as devidas precauções para não ser interrompido. Lamenta a posição desconfortável em que a coloca, mas trata-a como uma testemunha amordaçada e indefesa, “amarrada de pés e mãos e dependurado de cabeça para baixo”. Uma mulher promete erguer uma ermida se conseguir casar a afilhada, mas, uma vez desaparecido o noivo, dissipa-se o motivo da promessa. Um homem cavalga a sós com os seus pensamentos, sem conseguir decidir o que separa a memória da experiência vívida do real. Os contos reunidos por Simão dos Reis neste novo título deixam aberto um panorama de cruzamentos entre realidade e sonho, história e mito, subterrâneo e superfície, como dimensões que se prolongam e continuam entre si. A literatura, essa “geografia de tecido excessivamente hostil”, é a personagem omnipresente destas digressões narrativas, transportando o leitor de sala em sala e de sonho em sonho. Autores, narradores e leitores são, num mesmo passo, velhos conhecidos e velhos adversários: partilham um mesmo lugar espectral que se bifurca, enquanto se digladiam, em busca da “verdadeira vida”, e, se não se resignam em cercar-lhe um significado, tampouco se podem deixar vencer pelas relações de aparente causalidade com que os eventos do quotidiano os tentam iludir.
Nas Livrarias: segunda semana de Junho de 2022.
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