Contrabando Original

José Martins Garcia

Contrabando Original é um romance que ocupa um lugar especial adentro da produção literária de José Martins Garcia. Lugar justificado pela mestria narrativa e perfeição estilística, pelo modo como fornece ao leitor uma espécie de súmula dos mundos ficcionais até então criados e um refinamento da irreprimível veia crítica (satírica, irónica, sarcástica) que o distingue.
Mestre de uma arte narrativa que domina na prática e na teoria, Martins Garcia oferece-nos neste livro uma rede de grandes e pequenos problemas engendrados a partir da imaginária localidade de Monte Brabo, com extensão à América, lugar de sonhada prosperidade.
As referências históricas, sociais e culturais, corroboradas pelo mais que conhecemos da obra do autor, fazem deste romance muito mais do que uma história bem contada e revelam-no como uma ampla e talvez angustiada questionação ao mundo.
A religiosidade pouco esclarecida e a emigração constituem alguns dos temas satiricamente explorados. Monte Brabo, ponto de observação donde o narrador vê o mundo, é também ponto de referência e posto de vigia para tudo o que existe fora dele. Também por aí é convocado o tema da emigração, quando ainda se viajava de barco para a América ou quando era de uso, para grande satisfação dos insulares, enviar cartas com dólares ou sacas de roupa, realidade bem conhecida dos açorianos ainda nas décadas de 50 e 60 do século XX.

Prefácio de Rosa Maria Goulart.

 

Excerto

A alma de meu pai, José Rafael, caiu nos braços do seu anjo da guarda, um ser pertencente à espécie alada e incorpórea, tendo Deus atribuído a cada homem um deles. Anjo e homem subiram às portas do Paraíso, onde São Pedro, chaveiro e porta-voz das decisões divinas, já exibia na mão calosa de pescador de peixe e gente a sentença inapelável: o Purgatório.
Os pecados dos humanos, mesmo os chamados veniais, não se apagam inteiramente por obra e graça de confissões e sacramentos. Mal comparado, os pecadilhos deixam na pele da alma marcas parecidas com as rodas ferradas de um carro de boi. Se a alma é frágil como a lama dos caminhos, ou inconstante como a bagacina, a sua pele cobre-se de relhas profundas como as deixadas na lama, ou de vastas e confusas teias como as entrelaçadas num caminho poeirento. José Rafael confessara-se e comungara diariamente durante a agonia de duas semanas, tendo até sido ungido com os santos óleos na véspera de morrer – apesar do protesto solitário, mas veemente, da minha irmã Mariana, a qual, arrepelando os cabelos e as cordas da garganta, insultava os preparadores desse aparato de morte. Apressados, como sempre em tais casos, padre, de sobrepeliz, e sacristão, de opa vermelha, latinando e tilintando, assistiam àquela alma a contas com o escapa-não-escapa que era a inocente aposta da voz do povo.

Nota de leitura

Ficha Técnica

ISBN: 978-989-8828-30-9

Dimensões: 14×22cm

Nº páginas: 304

Ano: 2017 | Maio

Nº Edição: 108

Colecção: Obras de José Martins Garcia # 005

Género: Ficção | Romance

PVP: 16 €

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