A dança das raias voadoras / Requests ou permissão para respirar

Ana Lázaro / Firmino Bernardo

Estes dois textos teatrais resultam do Laboratório de Dramaturgia de 2016, organizado pelo Teatro Meridional em colaboração com o Centro de Estudos de Teatro da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, uma iniciativa que pretende incentivar a criação de textos inéditos em língua portuguesa, associando escritores a um painel de artistas e académicos, num trabalho conjunto que acompanha a escrita de um texto.

 

Excerto

Criança-Olhos:

O sal faz arder os olhos. Os olhos choram mas não sai nada, só cai água. As coisas que importam não estão guardadas nos olhos, podemos chorar, mas ficamos na mesma. Os olhos são só um buraquinho de espreitar. Não sabemos menos coisas só porque o buraquinho está tapado. Pode-se nascer com os dois buraquinhos tapados e ver tudo na mesma. O Doutor explicou: Não precisamos de ter os olhos no sítio dos olhos. Podemos ter os olhos nas mãos, nos ouvidos, nos pés. Os meninos de olhos tapados conseguem ver mais do que os outros meninos (Pausa. Limpa os olhos). Quando o doutor explicava, a mãe apertava-me a mão, e eu encolhia os dedos dentro da mão da mãe, e via os nervos dos dedos ligados aos braços, que estavam ligados ao pescoço, que estava ligado à cara dela… e eu sabia quando a cara da mãe estava engelhada, ou triste, ou a sorrir.

[de: A Dança das Raias Voadoras]

 

BARTOLOMEU  É neste escritório que vai trabalhar… que vais trabalhar… posso tratar-te por tu, não posso?

ALBERTINA Com certeza.

ALBERTINA Daqui a uns tempos também podes tratar-me por tu. Como sou um chefe moderno… Onde é que vais?

ALBERTINA Para a secretária…

BARTOLOMEU  Primeiro tens de pendurar a mala no cabide. Em cima da secretária só podes ter material de escritório. E já está lá todo.

ALBERTINA Desculpe. (pendura a mala no cabide)

BARTOLOMEU  Tivemos uma colaboradora que gostava de comer bolachinhas ao pé do computador e, como se não bastasse o tempo que perdia com isso, ainda enchia o teclado de migalhas. Portanto, tivemos de tomar medidas: nada de comida nem bebida nem tabaco na secretária.

ALBERTINA Pela minha parte, posso garantir-lhe que cumprirei todas as regras e todas as tarefas…

BARTOLOMEU  Mas antes de as cumprires, tens de saber quais são, não é verdade?

ALBERTINA É…

BARTOLOMEU  Então, cala-te e ouve. Como dizia o meu avô, temos dois ouvidos e uma boca, porque ouvir é duas vezes mais importante do que falar. E nós aqui valorizamos mais quem sabe ouvir do que os que falam e falam e falam e…

ALBERTINA Sou toda ouvidos, podemos começar?

[de: Requests ou Permissão para Respirar]

Nota de leitura

Ficha Técnica

ISBN: 978-989-8828-18-7

Dimensões: 14x22cm

Nº páginas: 138

Ano: 2017, Fevereiro

Edição: # 101

Género: Teatro

Colecção: azulcobalto | teatro # 018

PVP: 12 €

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